Diversos ciclistas pedalando na ciclovia em Amsterdã

As últimas semanas foram marcadas por ocupações das ruas pelos cicloativistas. Para quem não acompanhou, no dia 14 de março, em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi promovida a Pedalada Pelada, edição brasileira da World Naked Bike Ride, que reivindica melhores condições de trânsito para os ciclistas. Os corpos expostos estampavam frases como “obsceno é o trânsito”, “assim NUS veem” e “+ amor  – motor”.

Já na última sexta, foi organizado um protesto contra a liminar que interrompia as obras das ciclovias na capital paulista a pedido do Ministério Público Estadual, sob a alegação de que faltavam estudos técnicos. O mais surpreendente da manifestação foi que, além da participação de muitas crianças com suas pequenas magrelas, a causa paulistana teve apoio em diversas cidades do Brasil e do mundo. Faixas com “vai ter ciclovias” foram erguidas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Recífe, Natal e Manaus. Também estavam programadas bicicletadas nos Estados Unidos, Alemanha, México, Chile, Costa Rica e outros países. A liminar foi derrubada ainda enquanto os eventos ocorriam.

O debate em torno da implantação das ciclovias começou a ganhar destaque em 2014, quando moradores de bairros nobres da capital paulista começaram a se opor. Falavam em ditadura da bicicleta. Alguns argumentaram que a região é residencial, que traria bagunça e insegurança ou que havia erros no projeto. Outros demonstraram a sua boa educação queimando pneus em áreas onde já estavam sendo realizadas obras. O ponto alto foi quando um cidadão chegou a declarar que quem anda de bicicleta não presta. A elite paulistana proprietária de automóveis, mergulhada em seu preconceito e necessidade de segregação, sofreu grande repúdio através das redes sociais. Foi tachada de carro-dependente. Sua insatisfação parecia estar motivada apenas pelo desconforto que precisariam enfrentar com menos pistas para circular ou menos locais para estacionar.

Até Lucia Santaella, autora de diversos livros sobre semiótica, deixou sua crítica a Haddad, prefeito de São Paulo. Baseada em argumentos sem sentido sobre um suposto prejuízo do vermelho ao sistema nervoso e poluição visual, e sugerindo associação visual com o PT, pareceu ignorar que a cor é utilizada em todo o mundo para identificação de ciclovias. E fechou seu desastroso post no Facebook com a pergunta “Ou será ele o ingênuo em querer nos fazer crer que vivemos em plena Amsterdam?”

O comentário infeliz reflete o pensamento recorrente da parcela da população que é contra as ciclovias. E foi o que motivou a jornalista Marjorie Rodrigues, brasileira residente na Holanda, a escrever uma carta aberta, onde rebateu os argumentos da estudiosa e apresentou um vídeo com o início da história de Amsterdam com as bicicletas.

O filme mostra que o progresso no pós-guerra trouxe o aumento no tráfego motorizado, marginalização dos pedais e a perda de muitas vidas, especialmente de crianças. Esses fatores, em conjunto com a crise do petróleo, foram responsáveis pelas primeiras políticas de transporte voltadas ao ciclismo na década de 70. Foram necessários muitos protestos, conscientização da população e governantes de atitude para construir a Holanda amiga dos ciclistas que conhecemos.

O que podemos perceber é que, tal como ocorreu na Holanda, estamos dando início à transformação de nossas cidades e ainda há muito trabalho a ser feito. Mais do que obras, é necessário educação no trânsito. O Rio de Janeiro ficou em 12º lugar no ranking de cidades bike friendly The Copenhagenize Index 2013, à frente de Paris. Apesar disso, em Copacabana, um dos bairros mais bem servidos de ciclovias e ciclofaixas, é comum ver ciclistas furando o sinal ou pedalando na contramão. Algumas vezes até furando o sinal enquanto pedala na contramão. Tanto motoristas quanto ciclistas precisam se reeducar. A prefeitura do Rio de Janeiro tem dado atenção a isso. Vem instalando placas de sinalização voltadas aos usuários de bikes em diversos pontos.

Grandes montadoras também estão se envolvendo na questão. Em fevereiro deste ano, a Fiat causou estranhamento ao veicular o anúncio do seu recente lançamento. O filme começa apresentando algumas características do novo modelo. Em seguida, surge um rapaz pedalando até a garagem de casa, onde o automóvel está guardado. A cena é acompanhada da locução: “Um carro inovador para quem tem muita personalidade. Até para deixá-lo na garagem sempre que dá para usar a bicicleta.” Uma comunicação realmente inusitada no segmento.

A Volvo, reconhecida mundialmente pelo alto grau de segurança dos seus veículos, também está atenta ao público de ciclistas e suas interações com os carros. Recentemente a montadora desenvolveu uma tinta que brilha no escuro para ser aplicada através de spray em bicicletas e equipamentos. Dessa forma, é possível pedalar a noite com mais segurança.

O importante neste momento é a participação de todos no debate. O engajamento de empresas, as novas políticas de transporte e a quantidade de bicicletaços só comprovam que já demos a partida rumo a um futuro com menor número de morte de ciclistas, menos trânsito e menor índice de poluição do ar. Um futuro em que viveremos em nossas próprias Amsterdãs organizadas, com a vantagem de um clima muito mais convidativo. Um futuro que depende de todos nós.

Fechar Menu