![Diversos ciclistas pedalando na ciclovia em Amsterdã](http://girourbano.net/wp-content/uploads/2019/04/2015_europa_amsterdam_0043_700x394-700x394.jpg)
As últimas semanas foram marcadas por ocupações das ruas pelos cicloativistas. Para quem não acompanhou, no dia 14 de março, em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi promovida a Pedalada Pelada, edição brasileira da World Naked Bike Ride, que reivindica melhores condições de trânsito para os ciclistas. Os corpos expostos estampavam frases como “obsceno é o trânsito”, “assim NUS veem” e “+ amor – motor”.
Já na última sexta, foi organizado um protesto contra a liminar que interrompia as obras das ciclovias na capital paulista a pedido do Ministério Público Estadual, sob a alegação de que faltavam estudos técnicos. O mais surpreendente da manifestação foi que, além da participação de muitas crianças com suas pequenas magrelas, a causa paulistana teve apoio em diversas cidades do Brasil e do mundo. Faixas com “vai ter ciclovias” foram erguidas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Recífe, Natal e Manaus. Também estavam programadas bicicletadas nos Estados Unidos, Alemanha, México, Chile, Costa Rica e outros países. A liminar foi derrubada ainda enquanto os eventos ocorriam.
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O debate em torno da implantação das ciclovias começou a ganhar destaque em 2014, quando moradores de bairros nobres da capital paulista começaram a se opor. Falavam em ditadura da bicicleta. Alguns argumentaram que a região é residencial, que traria bagunça e insegurança ou que havia erros no projeto. Outros demonstraram a sua boa educação queimando pneus em áreas onde já estavam sendo realizadas obras. O ponto alto foi quando um cidadão chegou a declarar que quem anda de bicicleta não presta. A elite paulistana proprietária de automóveis, mergulhada em seu preconceito e necessidade de segregação, sofreu grande repúdio através das redes sociais. Foi tachada de carro-dependente. Sua insatisfação parecia estar motivada apenas pelo desconforto que precisariam enfrentar com menos pistas para circular ou menos locais para estacionar.
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Até Lucia Santaella, autora de diversos livros sobre semiótica, deixou sua crítica a Haddad, prefeito de São Paulo. Baseada em argumentos sem sentido sobre um suposto prejuízo do vermelho ao sistema nervoso e poluição visual, e sugerindo associação visual com o PT, pareceu ignorar que a cor é utilizada em todo o mundo para identificação de ciclovias. E fechou seu desastroso post no Facebook com a pergunta “Ou será ele o ingênuo em querer nos fazer crer que vivemos em plena Amsterdam?”
O comentário infeliz reflete o pensamento recorrente da parcela da população que é contra as ciclovias. E foi o que motivou a jornalista Marjorie Rodrigues, brasileira residente na Holanda, a escrever uma carta aberta, onde rebateu os argumentos da estudiosa e apresentou um vídeo com o início da história de Amsterdam com as bicicletas.
O filme mostra que o progresso no pós-guerra trouxe o aumento no tráfego motorizado, marginalização dos pedais e a perda de muitas vidas, especialmente de crianças. Esses fatores, em conjunto com a crise do petróleo, foram responsáveis pelas primeiras políticas de transporte voltadas ao ciclismo na década de 70. Foram necessários muitos protestos, conscientização da população e governantes de atitude para construir a Holanda amiga dos ciclistas que conhecemos.
O que podemos perceber é que, tal como ocorreu na Holanda, estamos dando início à transformação de nossas cidades e ainda há muito trabalho a ser feito. Mais do que obras, é necessário educação no trânsito. O Rio de Janeiro ficou em 12º lugar no ranking de cidades bike friendly The Copenhagenize Index 2013, à frente de Paris. Apesar disso, em Copacabana, um dos bairros mais bem servidos de ciclovias e ciclofaixas, é comum ver ciclistas furando o sinal ou pedalando na contramão. Algumas vezes até furando o sinal enquanto pedala na contramão. Tanto motoristas quanto ciclistas precisam se reeducar. A prefeitura do Rio de Janeiro tem dado atenção a isso. Vem instalando placas de sinalização voltadas aos usuários de bikes em diversos pontos.
Grandes montadoras também estão se envolvendo na questão. Em fevereiro deste ano, a Fiat causou estranhamento ao veicular o anúncio do seu recente lançamento. O filme começa apresentando algumas características do novo modelo. Em seguida, surge um rapaz pedalando até a garagem de casa, onde o automóvel está guardado. A cena é acompanhada da locução: “Um carro inovador para quem tem muita personalidade. Até para deixá-lo na garagem sempre que dá para usar a bicicleta.” Uma comunicação realmente inusitada no segmento.
A Volvo, reconhecida mundialmente pelo alto grau de segurança dos seus veículos, também está atenta ao público de ciclistas e suas interações com os carros. Recentemente a montadora desenvolveu uma tinta que brilha no escuro para ser aplicada através de spray em bicicletas e equipamentos. Dessa forma, é possível pedalar a noite com mais segurança.
O importante neste momento é a participação de todos no debate. O engajamento de empresas, as novas políticas de transporte e a quantidade de bicicletaços só comprovam que já demos a partida rumo a um futuro com menor número de morte de ciclistas, menos trânsito e menor índice de poluição do ar. Um futuro em que viveremos em nossas próprias Amsterdãs organizadas, com a vantagem de um clima muito mais convidativo. Um futuro que depende de todos nós.