Como foi minha experiência como guia do Jane’s Walk

O festival Jane’s Walk

Manhã de sábado. Faltavam quinze minutos para a hora marcada. Eu estava terminando de pregar a bonequinha da Jane em uma pilastra na saída do metrô, quando apareceu a primeira participante. Logo apareceu outro rapaz, depois um casal, e um outro rapaz… Foi um alívio! Até aquele momento, eu não tinha a menor certeza de que alguém apareceria para a caminhada.

Era minha primeira vez como guia voluntária no Jane’s Walk, um movimento que busca resgatar o prazer do andar a pé, observar a cidade e dialogar com seus habitantes. O festival é uma homenagem a Jane Jacobs, que completaria 103 anos no dia 4 de maio.

Quem foi esta mulher? Jacobs foi uma ativista urbana que ficou conhecida por enfrentar o engenheiro responsável pelo planejamento de Nova Iorque por anos. Escreveu críticas, mobilizou vizinhos, organizou protestos e chegou até a ser presa. Ela queria impedir que alguns bairros fossem destruídos pela construção de elevados e vias expressas, projetos de reurbanização focados exclusivamente nos automóveis. Sua obra Morte e Vida nas Grandes Cidades, lançada em 1961, é considerada um marco no urbanismo: o mais importante livro sobre cidades do séculos XX.

Copacabana para Pessoas

A proposta da caminhada Copacabana para Pessoas era apresentar, através do cotidiano do bairro, estes princípios de desenvolvimento de cidades mais humanas que são referência em planejamento urbano até hoje. Eu estava entusiasmada em poder falar sobre tudo aquilo que acredito: cidades para pessoas e mobilidade sustentável. E apesar de imaginar que um passeio com esse olhar e sem qualquer conteúdo turístico não atrairia as pessoas, acabei me surpreendendo.

Teve novo morador querendo conhecer o dia-a-dia de Copa. Teve integrante de associação de moradores querendo discutir melhorias para o bairro. Apareceu gente engajada em causas de pedestre e ciclistas. Teve até gente do Recife que possui projetos de caminhadas culturais por lá. Quase 80% das pessoas que compareceram não eram meus amigos ou conhecidos. Eram desconhecidos buscando somar!

Nosso ponto de partida foi ao lado de um enorme painel em quadrinhos criado por um artista que busca incentivar a leitura. Iniciamos o encontro com uma breve apresentação dos participantes, o que foi essencial para a integração do grupo.

Em seguida, partimos juntos visitando praças, áreas verdes e negócios locais, percorrendo ruas calmas e rotas pouco conhecidas. Os participantes tiveram a oportunidade de conhecer a horta comunitária do Bairro Peixoto, um grande exemplo de iniciativa coletiva cidadã, além de pontos de destaque como o tradicional Edifício Master e o primeiro Mc Donald’s da América Latina.

Ao longo do trajeto, apresentei algumas ideias que Jacobs defendia. Mencionei o uso misto de espaços como o Shopping dos Antiquários, um edifício com unidades residenciais e comerciais, que elimina a necessidade de deslocamentos. Comentei sobre a sensação de segurança proporcionada pela fachada visualmente ativa de uma nova clínica. Falei sobre a importância de espaços públicos de convivência como a Praça Serzedelo Corrêa, com suas mesas de carteado, academia para terceira idade e projetos gratuitos voltados a saúde.

No quesito mobilidade urbana sustentável, contei sobre a implantação dos primeiros corredores exclusivos de ônibus do Rio em 2011, que, apesar da resistência de alguns passageiros em andar mais até o ponto de ônibus, trouxe benefícios como redução no trânsito e economia de tempo.

Comentei sobre a importância da bicicleta como meio de transporte para população de baixa renda. Discutimos as orientações do Código de Trânsito para ciclistas e motoristas e as diferenças entre ciclovia, ciclofaixa e ciclorrotas. Falamos ainda sobre intenso debate entre moradores com a chegada dos patinetes elétricos. Apresentei as atitudes imprudentes mais comuns no uso do veículo e as recomendações para uma direção segura e contei sobre as operações de recarga e distribuição dos equipamentos durante a madrugada.

No trecho final do passeio, os participantes puderam contemplar a tranquilidade do Parque da Chacrinha, desconhecido até mesmo pelos moradores mais antigos do bairro, e a arte e poesia da escadaria de azulejos Amoral, parte de uma ligação pouco usual entre duas grandes vias que atravessam o bairro.

Nossa despedida aconteceu em um parklet, uma estrutura que ocupa vagas de automóveis e funciona como extensão da calçada, privilegiando a convivência nos espaços públicos. Nada mais simbólico para fechar nossa homenagem a Jane Jacobs.

Uma experiência de caminhada participativa

Foi maravilhoso poder apresentar refúgios de tranquilidade em um bairro tão conhecido pelo caos e pela agitação. E melhor ainda foi ver que o grupo teve uma sintonia perfeita e que os integrantes se tornaram coautores da caminhada. Houve quem explicasse um pouco sobre os painéis de um dos edifícios, quem falasse da existência de algumas galerias de arte, quem revelasse o problema do roubo de pedras portuguesas das calçadas e quem tomasse a iniciativa de organizar o grupo para uma boa foto. A experiência se tornou única, resultado da contribuição de cada um.

A conversa fluiu naturalmente. Trocamos contatos e recebi mensagens de agradecimento recompensadoras. Percebi que alguns participantes já conheciam bem o verbo flanar e fiquei realmente feliz em ver que conceitos como foco nas pessoas e participação popular nas decisões foram fortalecidos na visão de todos.

Desejo que este novo olhar seja multiplicado através de suas redes de contatos, pois o modo como nossas cidades é planejada e a forma como nos relacionamos com os espaços públicos impactam diariamente nossas vidas. E quem sabe cada um destes caminhantes se torne um guia voluntário no próximo Jane’s Walk, ampliando a programação para além das cinco caminhadas que realizamos no Rio de Janeiro este ano.

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