Passei dois verões tomando coragem para experimentar o stand up paddle. Ando de patins, skate… Já fiz parasail, parapente, zorbie, bungee jumping… Mas tenho certo respeito pelo mar. Namorei aquelas pranchas por meses. Conheci instrutores de quase todas as barracas do Posto 6 de Copacabana e recusei seus convites por diversas vezes. Instrutores entraram, instrutores saíram. O mar nunca estava flat o suficiente.
Até que um dia, finalmente, após quarar duas horas no sol, tomar uma água de coco e uma boa dose de coragem, ajustei o strep no tornozelo e entrei com uma prancha no mar. A água estava tão transparente, que era possível ver a areia do fundo. Vi uma água viva gigante e uma tartaruga. Dei dois mergulhos, avistei o Pavão Pavãozinho e o forte de Copacabana por um novo ângulo.
Após sair do mar, vi uma câmera GoPro na mesa da barraca e perguntei se tiravam fotos.
– Sim, tiramos. Algumas vezes os instrutores esquecem de levar para o mar. Você queria foto?
– Não, não. Só curiosidade. Vocês cobram pela foto?
– Não. Nós colocamos no Face. É só olhar lá!
Da segunda vez que entrei no mar, um dos instrutores estava com a câmera:
– Quer que eu tire uma foto?
– Não, não, valeu!
Surpreso, ele gritou para o outro instrutor:
– Aí, João! É a primeira vez que alguém não quer tirar foto. Acredita?
Foi o suficiente para que, em meu terceiro dia na prancha, o João remasse na tentativa de tirar uma foto minha. Por ironia, a bateria acabou.
A falta de desejo de registrar o momento soa um tanto estranha numa época em que vemos ciclistas com braços estendidos em tentativas intermináveis de cliques e skatistas com câmeras acopladas nos capacetes a cada quilômetro da orla.
O que há de errado em registrar um momento de diversão ou superação? Absolutamente nada! Em algumas ocasiões pode até ser útil filmar umas voltas de patins ou um rolé de skate para que se possa avaliar se as técnicas estão corretas ou se é preciso aperfeiçoá-las. Porém, a reflexão aqui é sobre fotografar tudo e a todo o momento, sem se permitir vivenciar as emoções e sensações proporcionadas pela atividade em si. O medo da queda e alegria por ter conseguido fazer certo movimento. O vento no rosto, o sol das costas, a temperatura gelada da água, a dor na perna, a respiração, a coordenação dos movimentos…
Aliás, é difícil até falar em coordenar os movimentos. Essa mania de fotografar quando se está em movimento tem levado muitos a desatenção e acidentes. Basta observar a ciclovia por dez minutos. Quedas bobas de bicicleta. Choques entre skatistas, enquanto o da frente buscava o melhor enquadramento sem olhar a direção. Conflitos e desentendimentos no asfalto.
Na minha última ida à praia, enquanto aguardava uma prancha para ‘standupear’, uma menina com cerca de sete anos apareceu na barraca para devolver um colete salva-vidas. O colete não era daquela barraca. A menina parecia perdida. Perguntamos onde estava a sua mãe. Ela ficou meio desorientada, sem saber como responder. Uma colega se dispôs a acompanhá-la a procura de sua mãe. Ao entregar a criança e retornar, comentou que a mãe estava no mar em incansáveis tentativas de tirar uma foto do pai, que mal conseguia ficar de pé na prancha. Ambos negligenciando totalmente os cuidados com a filha.
Pessoas alugam uma prancha por meia hora e gastam quase vinte minutos posando para 54 fotos, em que apenas uma delas será considerada adequada para se tornar a foto de capa no Facebook. Meninos equipados com máscara e snorkel mergulham naquela região em busca de GoPros que caíram no mar e cujos donos não conseguiram resgatá-las.
Paus de selfie e capas para celulares a prova d’água são vendidos como água. Tentar fotografar a paisagem em um mirante ao fazer uma trilha é quase a mesma sensação de atravessar uma competição de esgrima.
Vá ao Parque dos Patins na Lagoa e observe quantos pais passam horas obrigando seus filhos a tirar fotos em posições definidas, quando, na verdade, eles ainda nem aprenderam a se equilibrar sobre as rodas. Pais roubando momentos de diversão dos filhos. Filhos cansados e mal humorados sem poder deslizar pela pista.
Repare em quantas jovens sobem no skate do namorado vestindo roupas estilosas e exigem que eles fiquem a disposição tirando fotos de suas mil poses. Elas realmente querem aprender a andar de skate? Conseguem dar ao menos três remadas no ritmo certo? Ou desejam apenas uma foto perfeita para exibir nas redes sociais?
É o que um amigo costuma chamar de esportistas de GoPro. Os momentos de lazer e a busca de superação no esporte amador dão lugar ao desafio de tirar a melhor foto ou produzir o melhor vídeo. Tudo por mais curtidas e por uma imagem que pareça radical.
Sim, podemos continuar registrando nossos momentos esportivos sorridentes. Mas que o tempo dedicado a isso seja breve, para que possamos aproveitar de forma plena os benefícios que nossas atividades podem nos trazer. Que deixemos de ser esportistas de GoPro e passemos a ser esportistas amadores reais, tentando se divertir e se superar.
Layla Ramos
2 fev 2015Nibisss, arrazou!!! Concordo mesmo q o mau uso dos meios digitais estão colocando de lado a essência da vida. Quando comprei meu primeiro smart phone, me senti atrasada no tempo, todas as pessoas a minha voltam falavam incansavelmente pelo whats app, e eu ficava perdida na informação e no tempo, até me ve obrigada a adquirir um modelo moderno, diferente do meu antigo aparelho que falava muito bem, ótimo sinal, e enviava sms, e que aliás nunca me deixava sem bateria no meio do nada… Enfim também fui contaminada pelo selfie, pelo Facebook24k, e o bip constante do “zap zap”… Mas de repente não tinha mais graça tirar tantas fotos, e tentar salvar alguma… Estou nessa de tentar conhecer lugares e viver momentos, se couber uma foto ela ta aceita, se não der… Fazer oque… Fica na memória das melhores lembranças! Adorei seu artigo, de repente abra alguns olhos que ainda estão grudados no desnecessário!
Nibia Cardoso
2 fev 2015Obrigada, Layla! Realmente não nos damos conta das mudanças de comportamento que nos fazem perder as coisas boas da vida. O Giro Urbano busca propor reflexões como esta. Continue acompanhando.
Luciano
3 fev 2015Bem, como já tive a graça de ter a companhia dessa “guria” ( Níbia ) em uma das minhas viagens sei bem do que ela está falando…rs Muitas vezes as pessoas dão mais importância em registar um momento do que VIVER, SENTIR esse momento… e não adianta me dizer que quando ver aquela foto, sentirá a mesma coisa de que se estivesse naquele lugar!! ai ai… Tenho uma filosofia e vc já sabe qual é né amiga?? rs rs NÃO GOSTO de fotos dos lugares que eu viajo!! O motivo é simples: a experiência que eu tive naquele lugar/momento nem eu e nem ninguém no planeta será capaz de viver sem ir naquele lugar, ou seja, se quiser mesmo saber como foi minha viagem, vá ao mesmo destino que o meu e faça a sua experiência…rs rs
Parabéns pelo texto, é divino e pode nos salvar do caos… rs e bjs… 🙂