A morte vira piada

Mulher com chapéu e o rosto pintado de caveira mexicana em homenagem ao dia dos mortos

Eduardo Campos morre em acidente aéreo. Imediatamente chovem milhões de memes na timeline e no zapzap. Quase não acompanhei as redes sociais naquele dia, mas li um comentário interessante de um amigo:

Eu não sei dizer se as pessoas mudaram, ou se as redes sociais nos mudou.

Talvez não tenhamos mudado tanto. O show de horrores que dominou as redes sociais após a notícia da tragédia nada difere da filosofia “perco o amigo, mas não perco a piada” que muitos de nós sempre seguiram.

Nosso comportamento online muitas vezes não passa de uma versão amplificada do nosso agir offline. Um homem que divulga na internet vídeos de momentos íntimos com uma jovem é a versão multimídia de um tradicional “a novinha pagou o maior boquete” largado em qualquer mesa de bar. Mas quantas adolescentes não tiveram que mudar de escola, bairro ou até cometeram suicídio após uma exposição íntima que ganhou o mundo? Uma mulher que avalia seu ex-namorado no já esquecido aplicativo Lulu é só uma versão covarde e de maior alcance de um bate-papo entre amigas. Porém quantos homens não foram prejudicados nos seus empregos ou em seus relacionamentos com isso? E seguimos por aí com o app da vez: o Secret, onde segredos são revelados de forma anônima, sejam eles verdadeiros ou não.

A única diferença do offline para o online é que no primeiro as pessoas ainda colocam limites a suas curiosidades, impulsos e discursos em prol de uma convivência saudável e respeitosa, enquanto no último tudo isso ganha mais espaços e possibilidades, sem qualquer preocupação.

Mas os dois universos não fazem parte da vida real? Por que esquecemos de ativar nossas travas nas redes sociais e nos deixamos perder em meio à insensibilidade, à covardia e falta de consideração? Por uma simples curiosidade? Mera zoação?

Foi preciso que nossa falta de humanidade com a morte de um político fosse compartilhada em grandes volumes para que nos déssemos conta de que é preciso mudar.

E se todos os textos publicados na última semana levantando essa questão não forem suficientes para nossa reflexão, vale assistir a séria britânica Black Mirror para conhecer alguns cenários que poderemos chegar a viver. Com cerca de seis episódios independentes, ela nos apresenta possibilidades de um futuro próximo, totalmente plausíveis no universo tecnológico e comportamental de hoje. Situações provocadoras e até chocantes como a apresentada nos primeiros minutos do episódio The National Anthem. Nele, a princesa da Inglaterra é sequestrada e, para que não seja assassinada, uma exigência deve ser cumprida: o primeiro ministro precisa fazer sexo e o ato deve ser exibido em rede nacional. Com um detalhe: sexo com um porco.

Inusitado? Sim. Mas plenamente possível nos dias atuais, onde acompanhar a desgraça alheia sem qualquer sentimento virou lugar comum. Quantos torceriam para que seus governantes sofressem uma humilhação como essa, sem sequer pensar em seus familiares?

Um dos motivos que tem levado usuários a sair do Facebook é o excesso de brincadeiras de mau gosto e de informações inúteis. Já passamos da época em que rede social era novidade. Já conhecemos bem as consequências de tudo o que postamos. É preciso dosar! Que tal se, em vez de abandonar as redes sociais, como um brinquedo que parece não ter mais graça, nós aprendêssemos a usá-las de forma útil, benéfica e agradável?

Este post tem um comentário

  1. Lendo o texto, acabei pensando no que mencionamos esses dias na mesa de um bar com a Renata: o politicamente correto… Não cheguei a ler os textos publicados na ocasião da morte do presidenciável Eduardo Campos, mas acompanhei muitos dos memes e piadas. No entanto, não lembro de nenhuma que fosse ofensiva a sua pessoa pública, ideologias ou lutas. Muito pelo contrário, vejo um enaltecimento de trechos dos seus discursos políticos e de suas louváveis afirmações. Imagino que a dor da família dele possa ter sido ampliada pelas “brincadeiras de mal gosto”, mas será que foi mesmo? Até onde devemos nos censurar e privar? Será que se eu fizesse as piadas em off elas seriam menos condenáveis? Ou a solução é seguir o politicamente correto, não fazendo comentários ou piadas sobre qualquer situação tabu? Concordo que as redes sociais e os compartilhamentos servem como uma lupa para nosso agir, mas não tem como negar a paralaxe existente entre os leitores… O que seria condenável, supondo que a intenção era magoar alguém, pode muito bem ser admirável se foi pensado na quantidade de alegria e sorrisos distribuídos sem a intenção de ofender/ferir qualquer aspecto da pessoa alvo… Talvez a Dilma devesse ficar ofendida por tantas calúnias direcionadas a ela? Não sei… Não tenho uma resposta aos meus questionamentos, infelizmente venho apenas contribuir com eles… Penso que a última coisa que aconteceria, seria a família dele receber essas piadas de alguém ou procurar por tal material nesse momento. Tenho visto muita gente erguendo a bandeira da boa moral e criticando, mas – em off – será que essas pessoas se comportam assim ou é apenas um rótulo conveniente para o momento?

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